Blog Saberes

"Tenho pensamentos que, pudesse eu trazê-los à luz e dar-lhes vida, emprestariam nova leveza às estrelas, nova beleza ao mundo, e maior amor ao coração dos homens"

Fernando Pessoa




domingo, 22 de dezembro de 2013

A Proposta - Margarida Reimão





Não quero passar por você simplesmente à-toa,
Como se fosse um meteorito perdido.
Não quero ser uma floresta de mistérios, ou de enganos,
Incompreendida e intocada.
Não desejo ser a turbulência de um instante vazio,
De uma noite de vinhos, ou de uma solidão esparsa. 
Não pretendo ser uma tempestade de ventos ruidosos,
Mas a aragem de uma calmaria.
Não quero tampouco, ser uma armadilha de laços,
 ou de passos incertos
quero ser sua lua para clarear um caminho,
um talismã para lhe dar sorte, sua chama acesa,
 sua espada de luta.
Quero ser seu ninho quente, seu porto seguro,
Sua flauta-doce para tocar cantigas de amor.
Quero fazer parte de sua vida, do seu sonho
E estar no seu presente
Em todas as circunstâncias.
Não uma sombra perseguinte,
mas a parceira de todas as horas.
Quero ser clareira, o farol de felicidade,
A candeia, a companhia.
Se houver agonia, quero ser sua prece
Em versos braços, sua saudade constante, sua esperança.
E, como há tempo, a gente sonhará muito.

“Como a criança aprende”

“Como a criança aprende”

Assim é que a criança aprende, captando as habilidades pelos dedos das mãos e dos pés, para dentro de si. Absorvendo hábitos e atitudes dos que a rodeiam, empurrando e puxando o seu próprio mundo. Assim a Criança Aprende, mais por experiência do que por erro, mais por prazer do que pelo sofrimento, mais pela experiência do que pela sugestão e a dissertação, e mais por sugestão do que por direção. E assim a criança aprende pela afeição, pelo amor, pela paciência, pela compreensão, por pertencer, por fazer e por ser. Dia a dia a criança  passa, a saber, um pouco do que você sabe, um pouco mais do que você pensa e entende, Aquilo que você sonha e crê é, na verdade o que essa criança esta se tornando. Se você percebe confusa ou claramente, se pensa nebulosa ou agudamente se acredita tola ou sabiamente, se sonha sonhos sem graça ou dourados, se você mente ou diz a verdade, e assim que a criança aprende. 

Frederick Molfett


Um estudo da obra "Atenção aprisionada" de Alícia Fernandez

   “A pintura espelha Narciso e a poesia retoma a voz de Eco”    
      Alícia Fernandez (2012), p.64

O mito de Narciso e Eco

     Alícia Fernandez(2012) nos apresenta em sua obra “A atenção aprisionada”, uma análise do mito de Narciso, apresentado por Ovídio no Livro III, da obra Metamorfoses,  onde Eco é amaldiçoada pela deusa Hera, esposa de Zeus que contrariada ao descobrir o ardil da ninfa em favorecer suas companheiras a desfrutar do amor de Zeus. Eco que era dotada da palavra, fora condenada a perdê-la, a ouvir sem escutar e a repetir somente as últimas palavras que lhe fossem ditas.  Já Narciso, personagem da mesma obra, por ser fruto do amor entre uma ninfa e um deus e ter nascido com uma beleza incomparável, fora condenado a não se conhecer jamais, sob pena de não chegar à velhice.
      Através de um olhar psicopedagógico, Fernandez(2012) estabelece a diferença corpórea entre o ouvir e a escuta; entre  ver e o olhar; e as diferentes formas de atencionalidade sob a quais associam os sentidos de ver e ouvir como recursos atencionais a partir dos quais é construída a subjetividade dos indivíduos.

La Venus del Espejo -  Diego Velásquez

     Ainda dentro da proposta de estudo dos modos atencionais, Alícia Fernandez(2012) realiza uma interessante “leitura” da obra de Diego Velásquez (1599-1660), a pintura “La Venus del Espejo” no qual aparece um cupido segurando um espelho no qual reflete o rosto da Vênus; ela, porém, através do espelho não olha a si mesma, mas olha um espectador que possivelmente interrompe a sua intimidade desnuda. Na obra, através do espelho, ela olha para nós.
      A autora traça por meio desta análise um paralelo sob o qual podemos apreender a importância do espelho e o seu significado tanto na obra analisada, como na psicanálise quando do estudo do narcisismo.
      Para Fernandez (2012), “A pintura espelha Narciso e a poesia retoma a voz de Eco” p.(64). A partir daí, a autora implica-se diretamente, através desta sua obra, no reconhecimento, no desenvolvimento e na ampliação dos espaços virtuais como novas modalidades atencionais a serem consideradas como uma maneira de permitir a subjetivação dos indivíduos da atualidade e suas formas de atender em consoante com suas demandas e potencialidades.

Referência: 
Fernandez, Alicia – A atenção aprisionada: psicopedagogia da capacidade atencional; p.64,
Porto alegre: Penso, 2012.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Piteis da Dinha: VOTAR NA RECEITA PARTICIPANTE DO CONCURSO


 Votando na receita Cupcakes trufados de chocolate Blog Mundo do Sabor.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O que é poesia?





O que é poesia?

O que é poesia?
Poesia é o percurso da alma poeta.
É o caminho sinuoso qual rio de palavras.

Às vezes palpável, às vezes etéreo.
É um riso ou uma dor que nasce devagarzinho
e vai se transformando em poesia.
Brota no íntimo do ser,
e então como um riacho de sentimentos
deságuam em cachoeiras de emoções.
Algumas vezes dolentes, outras, felizes.
É um pensar ou quiçá, um pulsar,
Por onde se escoa saberes,
Lágrimas, quereres,
Dores e prazeres;
Sentidos, contidos;
Vestidos, despidos.
O que é poesia?
É algo fácil, difícil... Inconsciente.
A verdade é que poesia não se explica;
Poesia a gente sente.

Maria Cândida Santos

domingo, 25 de agosto de 2013

O que é viver bem - Cora Coralina




Um repórter perguntou à Cora Coralina o que é viver bem. 


Ela disse: "Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo prá você, não pense. Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velho. Eu não digo. Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê. O bom é produzir sempre e não dormir de dia.
Também não diga prá você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima.
Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa.
Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence o outro.
Então, silêncio!
Sei que tenho muitos anos.
Sei que venho do século passado e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não.
Você acha que eu sou?
Posso dizer que sou a terra e nada mais quero ser.
Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos. Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.
Tenho consciência de ser autêntica e procurar superar todos os dias a minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.
Mesmo que tudo parece desabar, cabe a mim entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho da vida, que o mais importante é o decidir".

Ocridalina Madureira



A Escola Estadual Ocridalina Madureira tem um significado muito especial na vida de muitas pessoas e sobretudo na minha.  Acho muito bom poder acessar a história da escola da minha infância e da minha querida diretora Ocridalina Madureira, uma mulher batalhadora e sensível às condições de desigualdade social de sua comunidade.
Acredito que o trabalho por ela desenvolvido deve fazer parte da memória educacional do nosso estado, quiçá do país. Digo isto pela importância da representatividade feminina, a qual fora estabelecida numa época onde o fazer feminino era pouco valorizado e num cenário onde as mulheres exerciam a práxis da educação, porém, de forma paradoxal e por uma questão de gênero, recebiam pouco reconhecimento.
Parabéns a Everaldo Cerqueira pela escrita sensível e por resgatar a memória desta mulher que, sem dúvida, foi uma grande educadora.

Maria Cândida Fonseca


Professora Ocridalina Madureira 
Ocridalina Madureira
Autor: Everaldo Cerqueira


A Escola Estadual Ocridalina Madureira é um estabelecimento de ensino fundamental com 14 salas de aulas. Nela estão matriculados cerca de 1.400 alunos. Situa-se à rua Lopes Trovão, no bairro de Massaranduba, nas proximidades do bairro de Vila Rui Barbosa. O colégio fora fundado pela assistente social e professora Ocridalina Madureira. A comunidade de Massaranduba, reconhecendo o mérito da educadora, e desejando homenageá-la por seus feitos à causa da educação naquele local, com justa razão, colocou o seu nome no estabelecimento.

No final da década de 30, a jovem Ocridalina trabalhava como assistente social no SESI, no setor de serviços do antigo INPS. Como católica fervorosa, servia voluntariamente a um pequeno grupo de crianças carentes, na antiga igreja de São Jorge, pertencente à Companhia de Jesus - Ordem dos jesuítas - situada na rua Duarte da Costa, no Jardim Cruzeiro. Dia-a-dia, a procura de alunos carentes para fazer parte desse grupo era grande. Então, a jovem resolveu procurar um espaço maior para acomodar essas crianças.

No meado dos anos 40, a professora, imbuída pelo ideal de educar crianças carentes dos bairros de Massaranduba e de Jardim Cruzeiro, principalmente pela falta de escolas nesses locais, decidiu juntar-se a um grupo de pessoas da comunidade. Elas apossaram-se de uma área baldia, onde hoje se encontra a Escola Estadual Ocridalina Madureira. Era um local de maré vazante, de lama preta com cheiro de maresia. Verificava-se também a presença de caranguejos e de alguns crustáceos. Ao redor do terreno, inúmeras palafitas aumentavam de número dia-a-dia.

Nessa área baldia e lamacenta foi feita uma cerca contornando o terreno para que não fosse ocupada com moradia de invasores e, mais tarde, ficasse lotada. Como na comunidade não existia escola pública, a área foi entulhada pela comunidade e construiu-se no local um galpão de madeirite, onde a jovem educadora começou a ensinar as primeiras letras a um pequeno grupo de crianças carentes. Eram crianças desprovidas de escolas que deveria ser de responsabilidade das autoridades dos poderes públicos da capital baiana.

A Escola Ocridalina nasceu pobre, com paredes de madeirite, mobiliário de bancos rústicos e alguns caixotes que serviam de assentos para os alunos.

Essa escola foi fruto do amor de um sonho de uma jovem assistente social pelo ideal de educar. Sonhar é dar asas aos espíritos; é contemplar virtudes; é projetar realizações. Por isso que muitas vezes através dos sonhos nos tornamos criativos e realizados. E foi através desse sonho criativo que nasceu a Escola Ocridalina Madureira. Nos primeiros dias de funcionamento não tinha nome próprio - conhecida apenas na comunidade como "a banca da professora".

Era uma banca totalmente carente de instalações adequadas. No entanto, os alunos aprendiam com facilidades. Tratavam-se como irmãos e eram humildes. Esses alunos consideravam a jovem professora como sua mãe. Apesar de não haver conforto adequado nessa escola, os alunos sentiam-se alegres e felizes, porque fora uma escola construída com amor. Nela praticava-se o amor e eram ensinados os valores essenciais para a construção do caráter humano.

Nos primeiros meses, "a banca da professora" ganhara um nome indicado pela comunidade: Escola São Jorge, em homenagem às crianças da igreja São Jorge e ao padroeiro do bairro do Jardim Cruzeiro.

A pequena escola vivia superlotada de alunos. As pessoas da comunidade procuravam com insistência a escola para colocarem os seus filhos, um dos motivos era a fama do bom ensino e o outro era a carência de escolas na comunidade. Como as vagas na escola eram escassas devido a grande procura de alunos, a comunidade decidiu em mutirão aumentar a área do terreno entulhando com o objetivo de ampliar as instalações da escola.

Para que fosse ampliado as instalações da Escola São Jorge, o pároco jesuíta daquela época, responsável pelos trabalhos catequéticos dos dois bairros, em comissão com algumas pessoas da comunidade, resolveu solicitar ajuda ao governador da Bahia, Dr. Octávio Mangabeira. O governador recebeu o pároco em comissão e de imediato tomou as providências necessárias.

As instalações feitas pelo governo do estado foram suficientes para atender as duas comunidades e o estabelecimento ganhou uma nova denominação, passando a ser chamado de Escola Comunitária São Jorge. E a fundadora foi nomeada pelo governador para o cargo de diretora.

Na gestão do governador Octávio Mangabeira, a Escola Comunitária São Jorge passou a ser uma referência educacional de excelência do curso primário, nos bairros de Massaranduba e Vila Rui Barbosa (ou Jardim Cruzeiro).

No governo estadual de Antônio Carlos Magalhães, a pedido da comunidade, o patrimônio da escola passou para o domínio do Governo Estadual, passando a ser chamada Escola Estadual Ocridalina Madureira - conforme Portaria de Autorização 1873, publicada no Diário Oficial do Estado de 14 de maio de 74.

No final dos anos 90, foi implantado o ensino fundamental integral nos três turnos. Em 2004 deixou de funcionar as séries iniciais, por força da municipalização do Ensino Fundamental (Lei 9394/96).

EVERALDO CERQUEIRA

Fonte: http://secbahia.blogspot.com.br/2009/05/ocridalina-madureira.html
Publicado no Recanto das Letras em 26/04/2006

sábado, 24 de agosto de 2013

Na própria pele - Ana Jácomo


Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo convivendo com tantas perguntas que o tempo não respondeu e com a ausência de qualquer garantia de que ele ainda responda. É me sentir confortável, mesmo entendendo que as respostas que tenho mudarão, como tantas já mudaram, e que também mudarei, como eu tanto já mudei.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo sentindo que cada vez mais eu sei cada vez menos, e não saber, ao contrário do que já acreditei, pode nos fazer vislumbrar uma liberdade incrível, às vezes. Tem saber que é nítida sabedoria, que fortalece, que faz clarear, mas tem saber que é apenas controle disfarçado, artifício do medo, armadilha da dona autosabotagem.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo percebendo que a minha vida não tem lá tanta semelhança com o enredo que eu imaginei para ela na maior parte da jornada e que nem por isso é menos preciosa. É me sentir confortável, cabendo sem esforço e com a fluidez que eu souber, na única história que me é disponível, que é feita de capítulos inéditos, e que não está concluída: esta que me foi ofertada e que, da forma que sei e não sei, eu vivo.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando, vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões que eu ainda não soube transformar, embora continue me empenhando para conseguir. É me sentir confortável, mesmo sentindo uma saudade imensa de uma pátria, aparentemente utópica, onde os seus cidadãos tenham ternura, respeito e bondade, suficientes, para ajudar uns aos outros na tecelagem da paz e no desenho do caminho.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. Estarmos na nossa própria pele não é fácil e essa percepção é capaz de nos humanizar o bastante para nos aproximarmos com o coração do entendimento do quanto também não seria fácil estarmos na pele de nenhum outro. Por maiores que sejam as diferenças, as singularidades de enredo, as particularidades de cenário, não nos enganemos: toda gente é bem parecida com toda gente. Toda gente é promessa de florescimento, anseia por amor, costuma ter um medo absurdo e se atrapalhar à beça nessa vida sem ensaio.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável o suficiente para cada vez mais encarar os desconfortos todos fugindo cada vez menos, sabendo que algumas coisas simplesmente são como são, e que eu não tenho nenhuma espécie de controle com relação ao que acontecerá comigo no tempo do parágrafo seguinte, da frase seguinte, da palavra seguinte. É me sentir confortável o suficiente para caminhar pela vida com um olhar que não envelhece, por mais que eu envelheça, e um coração corajoso, carregado de brotos de amor.

Ana Cláudia Saldanha Jácomo 
Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/ODIxMzk0/

quarta-feira, 1 de maio de 2013


Entrevista: Alicia Fernández





Entrevista: Alicia Fernández

A especialista argentina completa 40 anos de psicopedagogia e analisa importantes questões que envolvem as dificuldades de aprendizagem.
Por Luiza Oliva

A psicopedagoga argentina Alicia Fernández foi uma das precursoras da psicopedagogia no Brasil e é responsável pela formação de parte dos profissionais da área em nosso país. É autora de Os idiomas do Aprendente, O Saber em jogo, A Inteligência Aprisionada e A Mulher escondida na professora (todos pela Artmed) e de Psicopedagogia em Psicodrama – morando no Brincar (Editora Vozes). A especialista estará no Simpósio Internacional de Psicopedagogia - Instrumentos diagnósticos e intervenção: novas práticas psicopedagógicas, realizado pela ABPp, dias 5 e 6 de setembro em São Paulo, ministrando o curso Autorias Vocacionais. De Buenos Aires, onde é diretora da Escola Psicopedagógica de Buenos Aires, Alicia concedeu esta entrevista à Direcional Educador, onde analisa questões que envolvem os problemas de aprendizagem.

DIRECIONAL EDUCADOR - Como a senhora pode definir as dificuldades/problemas de aprendizagem?
ALICIA FERNÁNDEZ - Antes de falarmos de dificuldades ou problemas, devemos falar de capacidades e possibilidades. Somente assim poderemos realizar duas tarefas: primeiro, tratar dos problemas e segundo, o que é mais importante, evitar que apareçam. A aprendizagem não é um meio para se obter outra coisa. É um fim em si mesmo. Nós humanos nascemos carentes. Somos os mais indefesos da espécie animal. O filhote humano se faz humano graças à aprendizagem. Esta “fraqueza” instintiva orgânica é seu grande potencial. Porque, como todo bebê nasce imaturo biologicamente, sem os mínimos recursos próprios para sobreviver, precisa de outro humano que o ensine, que o reconheça como semelhante, que queira e que acredite que pode aprender. Todo aprender é problemático, porque inclui, no mínimo, três sujeitos: “o aprendente”, “o ensinante” e o sujeito social (a sociedade na qual está inserido). Não é o organismo que aprende, ainda atividades quase biológicas como o caminhar, o controle dos esfíncteres, o comer sozinho; para serem adquiridas não requerem apenas um organismo sadio, e sim, principalmente, uma aprendizagem. Aprendizagem que ocorrerá de acordo com o ambiente, mais ou menos favorável no qual a criança se desenvolve. Quer dizer, se falamos de dificuldades de aprendizagem, falamos de dificuldades no ou para o meio familiar, e ou educativo/ ensinante.

Como o meio interfere nos problemas de aprendizagem?
A palavra interferir é diferente de intervir. O meio sempre intervém, e às vezes pode interferir. Que quero dizer com isto? Inter-vir (vir “entre”). Inter-ferir (ferir “entre”). Maravilha dos nossos idiomas. Nossa tarefa consiste em “intervir” e conseguir que o meio não “interfira”, negativamente. Como estávamos dizendo, não se pode esquecer do diagnóstico do “meio”, do ambiente, quando realizamos um diagnóstico psicopedagógico. A partir desta idéia central, eu escrevi meus dois primeiros livros: A inteligência aprisionada, nele trago fundamentos de como a família pode ser possibilitadora ou produtora de problemas de aprendizagem dos filhos, e deste modo, estruturo um modelo de diagnóstico interdisciplinar familiar, que venho utilizando em diversos países. E no meu segundo livro traduzido em português, A mulher escondida na professora, explico e fundamento o lugar e a importância dos professores, tanto como agentes de saúde na aprendizagem, como às vezes (ainda que sem propor a sê-lo) como desencadeadores de problemas de aprendizagem. A escola, e todos os seus atores, têm um papel subjetivante em relação aos alunos. Nós, humanos, aprendemos a partir de identificações com nossos ensinantes, e somente em um ambiente familiar, e depois, no escolar e social, que nos aceite como seres pensantes. Quero dizer, que permita e favoreça nossas perguntas, dê lugar à diferença, em síntese, que favoreça a autoria de pensamento. A inteligência se constrói, a atividade de pensamento se constrói, como também a atenção e a capacidade de se prestar atenção.

Como a senhora entende a abordagem organicista a respeito das dificuldades de aprendizagem?
As tendências à patologização dos avatares da aprendizagem se acrescentam, promovidas pela indústria farmacêutica e pela difusão das notícias pela mídia. Sem dúvida, tal discussão não teria o êxito alarmante que está tendo, se não se sustentasse nas formas de subjetivação impostas pela sociedade do mercado globalizado. Preocupa-nos a inquietante proliferação de posturas que não só psicopatologizam e medicalizam os mal estares psíquico-sociais, como também consideram suspeita e até perigosa a própria atividade da alegria e o brincar, desvitalizando a autoria de pensamento. Quanto se trata de crianças e da aprendizagem, tal tendência encontra fáceis adeptos e propulsores em professores e pais aprisionados pelas lógicas da competitividade, pela eficiência (que mata a eficácia) e pelo cumprimento imediato para se chegar a um fim exitoso, sem considerar os meios para se alcançá-lo. A aprendizagem perde assim seu caráter subjetivante – fim em si mesmo - para transformar-se em um triste meio para obter um resultado exigido pelo outro. A atividade de pensar é fascinante. Como se produz a maravilhosa e transformadora atividade de pensamento? A “fábrica” de pensamentos não se situa nem dentro, nem fora da pessoa, está localizada entre. “Entre”, em psicopedagogia, não é uma palavra a mais, é um conceito. A atividade do pensar nasce na intersubjetividade promovida pelo desejo de se fazer próprio que nos é desconhecido, mas também nutrida pela necessidade de entendermos e que nos entendam. O pensar, ademais, se alimenta do desejo de que este outro nos aceite como seu semelhante. Desejos, aparentemente contraditórios, mas que juntos vão armando a trama do nosso existir em sociedade. Entendendo assim a atividade do pensar, poderemos encontrar outros caminhos para a construção de regras. A função do pensamento em seu sentido mais radical tem a ver com superar a racionalidade pragmática. A sustentação do pensar se dá naquilo que se quer alcançar e não no que está dado. Definimos a inteligência como a capacidade de desadaptar-se criativamente. Quando o modo de pensar perde a provisioriedade necessária a todo o pensar, as observações descritivas e particulares são utilizadas como se fossem explicações gerais. O devastador de tal modo de pensar abrange não somente os sujeitos observados, e assim transformados em “objetos”, como também a quem pretendemos “diagnosticar”. As perturbações na aprendizagem expressam uma mensagem que é sempre singular. O “rótulo” esconde a mensagem que está entrelaçada no drama singular de cada criança ou jovem. A abordagem clínica consiste na exploração desta dramática.

Pode explicar o conceito de aprisionamento da inteligência?
A inteligência se constrói. Não nascemos inteligentes, nascemos com a possibilidade de sermos inteligentes, quer dizer, de podermos eleger nosso destino. A maioria das crianças diagnosticadas como deficientes mentais, não o são. Sua inteligência encontra-se aprisionada. Quando, 20 anos atrás, publiquei o livro A inteligência aprisionada, a indústria farmacêutica não havia penetrado nas escolas do modo que ocorre hoje, e os efeitos devastadores do neoliberalismo não colonizavam as mentes de tantos profissionais como na atualidade, portanto não considerava urgente denunciar a medicalização das crianças. Ademais, o pretendido caráter orgânico e hereditário da inteligência já estava suficientemente questionado pela epistemologia genética, pela psicanálise, pela sociologia da educação e pela psicopedagogia. Apoiando-me nestes saberes, que contextualizam a inteligência humana em um sujeito inserido em um meio familiar e social, pude explicar os possíveis e diferentes aprisionamentos de que padece a mesma. A partir destes aportes teóricos e clínicos consegui propor outros modos de “diagnosticar” a capacidade intelectual frente a aqueles que pretendiam fazê-lo através de “cocientes intelectuais” (CI) e percentuais. Em síntese, sobre a atividade intelectual estavam então (e estão agora) suficientemente estudadas uma série de questões: que a inteligência se constrói; que tal construção nasce e cresce na intersubjetividade - pelo que não pode explicar-se do ponto de vista neurológico - e que os meios ensinantes (familiares, educativos e sociais) participam favorecendo ou perturbando a capacidade de pensar. Quer dizer, para questionarmos os modos instituídos de pensar a inteligência, contávamos então com teorias que desde o século XX vinham rebatendo as idéias de épocas anteriores que a consideravam uma função orgânica. A situação varia quando se trata de pensar a atividade atencional. Os diagnósticos de “déficit de atenção” se realizam sobre supostos (não explícitos) que desconhecem os avanços produzidos no século XX em relação aos estudos da subjetividade humana e da inteligência. Assim, atualmente se definem tipos de atenção de modo semelhante ao determinado pela psicologia experimental do século XIX. Necessitamos analisar a atenção aprisionada, para diferenciá-la da desatenção reativa (e a ambas dos poucos casos de dano neurológico que comprometem a atenção). Hoje é urgente trabalhar e estudar a capacidade atencional como aquilo que é: uma capacidade. Partindo desta postura, a psicopedagogia pode fazer importantes aportes.

Há quantos anos trabalha com a psicopedagogia? Pode fazer um breve histórico de como iniciou na área? E como vê a evolução da psicopedagogia nesse período? 
Neste ano completam-se 40 anos que desenvolvo a maravilhosa atividade da psicopedagogia. Fazer psicopedagogia é uma atividade que não somente nos permite, como também exige fazermos por nós mesmos, o que podemos fazer pelos outros. A exigência de fazer por nós mesmos se refere a ir re-significando nossas próprias modalidades de aprendizagem/ensinagem, e ir nutrindo as fontes propiciadoras de nossa própria autoria de pensamento. Uma destas fontes é a “alegria” que vem de mãos dadas com a capacidade de surpreender-se. Você me pergunta como iniciei minha carreira. Na Argentina, a psicopedagogia é uma formação que ocorre na graduação. Eu comecei trabalhando como orientadora educacional em escolas de regiões carentes, as quais me serviram como uma grande aprendizagem, já que ao mesmo tempo em que estudava na faculdade, podia receber as perguntas que aquela realidade educativa colocava a professores e alunos.

Como vê o futuro da psicopedagogia? Há exageros na questão do encaminhamento psicopedagógico? 
Um dos aspectos da subjetividade – mais atacado pela sociedade neoliberal – é a possibilidade de pensar. Este ataque é lento, persistente e perigoso. Vai se dando imperceptivelmente. Jovens e adultos o sofremos. Na escola se evidenciam os efeitos de tal bombardeio. Nos alunos se manifesta como um aborrecimento-tédio e pode expressar-se como “desatenção”. Nos docentes pode aparecer como desânimo e “queixa-lamento”. Portanto o futuro da psicopedagogia depende da postura que cada psicopedagogo pode ir construindo, quer dizer, priorizando a saúde da aprendizagem tanto nas escolas, nas famílias e nos meios de comunicação. Esta é a tarefa principal. Encaminhar uma criança ou jovem a um tratamento é só uma última instância. A psicopedagogia tem muito que contribuir se conseguir ser fiel à proposta psicopedagógica da saúde. Em síntese, frente à nossa inteligência aprisionada, a tarefa a de cada um de nós, como ensinantes e aprendentes, passa por: o autorizar-se a pensar; o permitir-se perguntar, o perguntar, o deixar espaço à imaginação e ao prazer de aprender; e, em conseqüência, ao prazer de ensinar.
Matéria publicada na Revista Direcional Educador - edição 43 de agosto/2008