Blog Saberes

"Tenho pensamentos que, pudesse eu trazê-los à luz e dar-lhes vida, emprestariam nova leveza às estrelas, nova beleza ao mundo, e maior amor ao coração dos homens"

Fernando Pessoa




domingo, 25 de agosto de 2013

O que é viver bem - Cora Coralina




Um repórter perguntou à Cora Coralina o que é viver bem. 


Ela disse: "Eu não tenho medo dos anos e não penso em velhice. E digo prá você, não pense. Nunca diga estou envelhecendo, estou ficando velho. Eu não digo. Procuro sempre ler e estar atualizada com os fatos e isso me ajuda a vencer as dificuldades da vida. O melhor roteiro é ler e praticar o que lê. O bom é produzir sempre e não dormir de dia.
Também não diga prá você que está ficando esquecida, porque assim você fica mais.
Nunca digo que estou doente, digo sempre: estou ótima.
Eu não digo nunca que estou cansada. Nada de palavra negativa.
Quanto mais você diz estar ficando cansada e esquecida, mais esquecida fica. Você vai se convencendo daquilo e convence o outro.
Então, silêncio!
Sei que tenho muitos anos.
Sei que venho do século passado e que trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velha não.
Você acha que eu sou?
Posso dizer que sou a terra e nada mais quero ser.
Convoco os velhos como eu, ou mais velhos que eu, para exercerem seus direitos. Sei que alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo.
Tenho consciência de ser autêntica e procurar superar todos os dias a minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes.
O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade.
Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça.
Digo o que penso, com esperança.
Penso no que faço, com fé.
Faço o que devo fazer, com amor.
Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se aprende.
Mesmo que tudo parece desabar, cabe a mim entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque descobri, no caminho da vida, que o mais importante é o decidir".

Ocridalina Madureira



A Escola Estadual Ocridalina Madureira tem um significado muito especial na vida de muitas pessoas e sobretudo na minha.  Acho muito bom poder acessar a história da escola da minha infância e da minha querida diretora Ocridalina Madureira, uma mulher batalhadora e sensível às condições de desigualdade social de sua comunidade.
Acredito que o trabalho por ela desenvolvido deve fazer parte da memória educacional do nosso estado, quiçá do país. Digo isto pela importância da representatividade feminina, a qual fora estabelecida numa época onde o fazer feminino era pouco valorizado e num cenário onde as mulheres exerciam a práxis da educação, porém, de forma paradoxal e por uma questão de gênero, recebiam pouco reconhecimento.
Parabéns a Everaldo Cerqueira pela escrita sensível e por resgatar a memória desta mulher que, sem dúvida, foi uma grande educadora.

Maria Cândida Fonseca


Professora Ocridalina Madureira 
Ocridalina Madureira
Autor: Everaldo Cerqueira


A Escola Estadual Ocridalina Madureira é um estabelecimento de ensino fundamental com 14 salas de aulas. Nela estão matriculados cerca de 1.400 alunos. Situa-se à rua Lopes Trovão, no bairro de Massaranduba, nas proximidades do bairro de Vila Rui Barbosa. O colégio fora fundado pela assistente social e professora Ocridalina Madureira. A comunidade de Massaranduba, reconhecendo o mérito da educadora, e desejando homenageá-la por seus feitos à causa da educação naquele local, com justa razão, colocou o seu nome no estabelecimento.

No final da década de 30, a jovem Ocridalina trabalhava como assistente social no SESI, no setor de serviços do antigo INPS. Como católica fervorosa, servia voluntariamente a um pequeno grupo de crianças carentes, na antiga igreja de São Jorge, pertencente à Companhia de Jesus - Ordem dos jesuítas - situada na rua Duarte da Costa, no Jardim Cruzeiro. Dia-a-dia, a procura de alunos carentes para fazer parte desse grupo era grande. Então, a jovem resolveu procurar um espaço maior para acomodar essas crianças.

No meado dos anos 40, a professora, imbuída pelo ideal de educar crianças carentes dos bairros de Massaranduba e de Jardim Cruzeiro, principalmente pela falta de escolas nesses locais, decidiu juntar-se a um grupo de pessoas da comunidade. Elas apossaram-se de uma área baldia, onde hoje se encontra a Escola Estadual Ocridalina Madureira. Era um local de maré vazante, de lama preta com cheiro de maresia. Verificava-se também a presença de caranguejos e de alguns crustáceos. Ao redor do terreno, inúmeras palafitas aumentavam de número dia-a-dia.

Nessa área baldia e lamacenta foi feita uma cerca contornando o terreno para que não fosse ocupada com moradia de invasores e, mais tarde, ficasse lotada. Como na comunidade não existia escola pública, a área foi entulhada pela comunidade e construiu-se no local um galpão de madeirite, onde a jovem educadora começou a ensinar as primeiras letras a um pequeno grupo de crianças carentes. Eram crianças desprovidas de escolas que deveria ser de responsabilidade das autoridades dos poderes públicos da capital baiana.

A Escola Ocridalina nasceu pobre, com paredes de madeirite, mobiliário de bancos rústicos e alguns caixotes que serviam de assentos para os alunos.

Essa escola foi fruto do amor de um sonho de uma jovem assistente social pelo ideal de educar. Sonhar é dar asas aos espíritos; é contemplar virtudes; é projetar realizações. Por isso que muitas vezes através dos sonhos nos tornamos criativos e realizados. E foi através desse sonho criativo que nasceu a Escola Ocridalina Madureira. Nos primeiros dias de funcionamento não tinha nome próprio - conhecida apenas na comunidade como "a banca da professora".

Era uma banca totalmente carente de instalações adequadas. No entanto, os alunos aprendiam com facilidades. Tratavam-se como irmãos e eram humildes. Esses alunos consideravam a jovem professora como sua mãe. Apesar de não haver conforto adequado nessa escola, os alunos sentiam-se alegres e felizes, porque fora uma escola construída com amor. Nela praticava-se o amor e eram ensinados os valores essenciais para a construção do caráter humano.

Nos primeiros meses, "a banca da professora" ganhara um nome indicado pela comunidade: Escola São Jorge, em homenagem às crianças da igreja São Jorge e ao padroeiro do bairro do Jardim Cruzeiro.

A pequena escola vivia superlotada de alunos. As pessoas da comunidade procuravam com insistência a escola para colocarem os seus filhos, um dos motivos era a fama do bom ensino e o outro era a carência de escolas na comunidade. Como as vagas na escola eram escassas devido a grande procura de alunos, a comunidade decidiu em mutirão aumentar a área do terreno entulhando com o objetivo de ampliar as instalações da escola.

Para que fosse ampliado as instalações da Escola São Jorge, o pároco jesuíta daquela época, responsável pelos trabalhos catequéticos dos dois bairros, em comissão com algumas pessoas da comunidade, resolveu solicitar ajuda ao governador da Bahia, Dr. Octávio Mangabeira. O governador recebeu o pároco em comissão e de imediato tomou as providências necessárias.

As instalações feitas pelo governo do estado foram suficientes para atender as duas comunidades e o estabelecimento ganhou uma nova denominação, passando a ser chamado de Escola Comunitária São Jorge. E a fundadora foi nomeada pelo governador para o cargo de diretora.

Na gestão do governador Octávio Mangabeira, a Escola Comunitária São Jorge passou a ser uma referência educacional de excelência do curso primário, nos bairros de Massaranduba e Vila Rui Barbosa (ou Jardim Cruzeiro).

No governo estadual de Antônio Carlos Magalhães, a pedido da comunidade, o patrimônio da escola passou para o domínio do Governo Estadual, passando a ser chamada Escola Estadual Ocridalina Madureira - conforme Portaria de Autorização 1873, publicada no Diário Oficial do Estado de 14 de maio de 74.

No final dos anos 90, foi implantado o ensino fundamental integral nos três turnos. Em 2004 deixou de funcionar as séries iniciais, por força da municipalização do Ensino Fundamental (Lei 9394/96).

EVERALDO CERQUEIRA

Fonte: http://secbahia.blogspot.com.br/2009/05/ocridalina-madureira.html
Publicado no Recanto das Letras em 26/04/2006

sábado, 24 de agosto de 2013

Na própria pele - Ana Jácomo


Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo convivendo com tantas perguntas que o tempo não respondeu e com a ausência de qualquer garantia de que ele ainda responda. É me sentir confortável, mesmo entendendo que as respostas que tenho mudarão, como tantas já mudaram, e que também mudarei, como eu tanto já mudei.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo sentindo que cada vez mais eu sei cada vez menos, e não saber, ao contrário do que já acreditei, pode nos fazer vislumbrar uma liberdade incrível, às vezes. Tem saber que é nítida sabedoria, que fortalece, que faz clarear, mas tem saber que é apenas controle disfarçado, artifício do medo, armadilha da dona autosabotagem.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo percebendo que a minha vida não tem lá tanta semelhança com o enredo que eu imaginei para ela na maior parte da jornada e que nem por isso é menos preciosa. É me sentir confortável, cabendo sem esforço e com a fluidez que eu souber, na única história que me é disponível, que é feita de capítulos inéditos, e que não está concluída: esta que me foi ofertada e que, da forma que sei e não sei, eu vivo.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando, vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões que eu ainda não soube transformar, embora continue me empenhando para conseguir. É me sentir confortável, mesmo sentindo uma saudade imensa de uma pátria, aparentemente utópica, onde os seus cidadãos tenham ternura, respeito e bondade, suficientes, para ajudar uns aos outros na tecelagem da paz e no desenho do caminho.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. Estarmos na nossa própria pele não é fácil e essa percepção é capaz de nos humanizar o bastante para nos aproximarmos com o coração do entendimento do quanto também não seria fácil estarmos na pele de nenhum outro. Por maiores que sejam as diferenças, as singularidades de enredo, as particularidades de cenário, não nos enganemos: toda gente é bem parecida com toda gente. Toda gente é promessa de florescimento, anseia por amor, costuma ter um medo absurdo e se atrapalhar à beça nessa vida sem ensaio.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável o suficiente para cada vez mais encarar os desconfortos todos fugindo cada vez menos, sabendo que algumas coisas simplesmente são como são, e que eu não tenho nenhuma espécie de controle com relação ao que acontecerá comigo no tempo do parágrafo seguinte, da frase seguinte, da palavra seguinte. É me sentir confortável o suficiente para caminhar pela vida com um olhar que não envelhece, por mais que eu envelheça, e um coração corajoso, carregado de brotos de amor.

Ana Cláudia Saldanha Jácomo 
Fonte: http://pensador.uol.com.br/frase/ODIxMzk0/